terça-feira, 3 de junho de 2008

Titulo: Confissão de Caboco
Autor: Zé da Luz (adap. Rolando Boldrin)
Sinhô dotô delegado,Digo à vossa-sinheria.Que inté onti fui casado,Cum a muié que im vidaSe chamo Rosa Maria.Faz dez mês que se gostêmoFaz oito que fumo noivoFaz sete que nóis casêmo.Nóis casêmo, e nóis viviaCumo pobre é verdadeMas a gente se sentiaRico de felicidade.Pras banda que nóis moravaNo luga Xã da Cotia,Morava tombem um cabraChamado Chico Faria.Esse cabra, antigamenteTinha gostado de Rosa,Chegaro inté a sê noivoMas num fizéro a intrósaDo casamento, pru modeMunué- Uréia- de- BodeQue era padrinho de MariaTe desmanchado essa prosa.Entonce o Chico FariaAdespois que nóis casêmoIm cunversa as vez dizia:Qui inda me dava fimPra se casa cum a Maria.Dessas coisa eu sabia,Mas num dei importância,Tinha toda a cunfiançaNa muié que eu tanto amava,Ou mais mio, adoravaCum toda a minha sustança.Despois disso, o meu rigimeEra vive trabaiano, sem da muiéTê ciúme. A muié, pru sua vez,Nunca me deu cabimento, deu pensaQue ela fizesse um dia um dia um farsejamento.Mas, sêo dotô, tome tento,No resto da minha estória, que o ruim chego agora.Se não me farta a memória,Já faz ansim uns três mêsQui o cabra Chico Faria,Todo prosa, todo ancho,Quase sempre, mais das vezAvisitava o meu rancho.Pur ali, descunfiado,Cumo quem qué e num qué,Eu fui veno que o marvadoTentava minha muié.Ou ventação, ou ingano,Eu fui vendo a coisa feia.Pru derradêro eu já tava,Cum a mosca detráis da uréia.Os tempo foi se passando,E o meu arreceiamentoCada vêiz ia omentando.Sêo doto, vá escuitano.Onti, já de tardezinha,Meu cumpade, o Quinca Arruda,Me chamo, pra nóis dansáNum samba, lá na varginhaNa casa de Mestre Duda.Entonce, Rosa Maria,Sempre gosto da samba,Mas porém de tardesinha,Me disse descunfiada,Que prô samba ela num iaQui tava muito infadavaPercisava de deita.Eu fiquei discunfiadoCum a preposta da muié,Despois de tuma caféQuage puro sem misturaCum a faca na cinturaFui prô samba, fui samba.Cheguei no samba, dotô.Repare agora, o sinhô,Quem era que tava lá,O cabra Chico FariaQue quando foi me avisandoFoi logo me perguntando:---Cadê siá, dona Maria,Num veio, não? Pra dansá?Não sinhô, fico im casa.Pru caboco arrespondí.Sintí entonce uma brasaQuêmando meu coração.Nunca mais pude tiraAs palavra desse cabraDa minha manginação.Perdi o gosto da festaE num pude dansá, não.O cabra pru sua vêz,Não dansava, sêo dotô.De vêz im quando me oiavaCum oiá de traidô.Meia noite mais ô menoSe adispidindo do povo,Disse: --- Adeus que eu já vô.Quando ele se arritirôEu tobem me arritireiAtrás dele, sim senhô.Ele na frente, eu atrás,Se o cabra andava depressa,Eu andava muito mais.Noite escura, quiném breu,Nem eu avistava o cabra,Nem o cabra via eu.Sempre andando, sempre andando,Ele na frente eu atrás.Já nem se escuitava maisA vóiz fole tocanoNa casa de Mestre Duda,A noite tava mais negaQui a cunciência de JUDÁ.Sempre andando, sempre andandoEu fui vendo sêo dotô,Qui o marvado ia tumandoDereção da minha casa,Minha casa, sim senhô.Já pertinho do terrêro,Eu me escundí pru destrasDum pé de trapiazêro.Abaixadinho escundido,Prendi a suspiração,Abri os óio e os uvido,Pra mio vê e uvíQuá era sua intenção.Sêo doto, repare bem:O cabra oiando pra trásDo memo jeito que fazUm ladrão pra vê argúem,Num tendo visto ninguémNa minha porta bateu.De lá de dentro uma vóiz,Bem baxinho arrespondeu.Ele entonce, cá de fora:--- Quem ta batendo, sou eu.De repente abriu-se a porta.Ah, sêo dotô, nessa horaA isperança tava morta,Tava morto o meu amô.No escuro, uma vóiz falô:---Tá aqui, sêo Chico, essa cartaQui à tempo eu tinha escrividoPra manda pra vosmecê.Pru favo, num leia agora,Vá simbora, vá simbora,Qui quando chegá im casa,Tem muito tempo pra lê.Quando as minhas oiça uviuAs palavras qui MariaDizia pru disgraçado,Eu fiquei amalucado,Fiquei quase cumo um loco,Ou mió, cumo um cabocoQuando ta cheio de caprito.Duia sarto cumo um cabritoEu tava nos pé cabraE sem quere, di um grito:---Mizerávi. E arrastei minha Faca da cintura. Naquela horaDotô, eu vi o Chico FariaNa bêra da sepurtura.Mais o cabra teve sorte,Sempre nessas sircunstânciaOs homi foge da morte.Correu o cabra, dotô,Tão vexado que dexôA carta caí no chão.Dei de garra no papé,O portadô da traição.Machuquei nas minha mão,A minha honra, dotô, a honraDaquela farsa muié.---Maria me atraçuô.Essa muié que um diaJuêiada nus pé do artá,Juro im nome de Deus,Qui inquanto vida tivesse Haverá de me honrá,Me amá cum todo amô.Cum perdão de sêo dotô.Quando vi a mizeráve Na escuridêza da noiteDos meus óio se escundêSem deixa nem sombra, intéEntrei prá dentro do ranchoPra me vinga da muié.Dotô qui hora minguada.Maria tava ajuêiada,Chorando cum as mão postaCumo que faz oração,Oiando pra eu pedia,Pelo cáli, pela ósta...Pru Jesus crucificado,Pelo amô qui eu lhe amavaQui eu num fizesse isso, não.Eu tava, dotô, eu tavaCego de raiva e paixão.Sem dize uma palavra Agarrei nas suas mão,Levantei ela prá ribaE interrei inté o caboO ferro da parnaibaPru riba du coraçãoSarvei a honra, dotôSarvei a honra, apois não.Despois que vi a MariaCaí sem vida no chãoVim fala cum vósmecêVim cunfissá meu crimeE mi intregá às prisão.Ta aqui a faca assassinaE o sangue na minhas mão.Cumo prova da traição,Ta aqui a carta dotô.Lhe péço um grande favo.Antes de Vossa-SenhôriaMi manda lá pra prisão,Mi leia aqui essa cartaPra eu sabe cumo MariaPerparava a traição.Sêo Chico:
"Xã--da--Cutia.Digo à Vossa Sinhoria,Qui só lhe faço essa cartaPrô sinhô ficá sabendoQui eu num sô muiéQue o sinhô tá intendendo.Si o sinhô cuntinuáCum seus debique atrivido,O geito que tem é contáTudo-tudo a meu marido.O sinhô fique sabendo Qui cum o seu descaramento,Não faz nunca eu quebráO sagrado juramentoQui eu jurei nos pé do artáNo dia do casamento.Se o sinhô é inxiridoIncontrô uma muito forte,O nome do meu maridoEu honro inté a morte.Sou de Vossa-sinhoria,Sua criada Maria."
Dotô, dotô, mi responda...O qui é que eu to uvindo?Vosmicê leu essa cartaOu num leu, ta me iludindo?Dotô...meu Deus seu dotô...Maria tava inucente?Me arresponda pru favor.Matei Maria Inucente?Pru quê sêo dotô? Pru quê?Matei Maria somentePru quê num prendi a lê.Infeliz de quem num leuUma carta do ABC.Magine agora o dotôCumo é grande o meu sofrê.Sou duas vêiz criminoso,Qui castigo, sêo dotô,Qui mizérra, qui horrô...Qui crime num sabe lê.

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